Alma Inconquistável

Da noite que me cobre,
Negra como um poço de alto a baixo,
Agradeço quaisquer deuses que existam
Pela minha alma inconquistável.
Na garra cruel da circunstância
Eu não recuei nem gritei.
Sob os golpes do acaso
Minha cabeça está sangrando, mas ereta.
Além deste lugar de fúria e lágrimas
Só o eminente horror matizado,
E, contudo, a ameaça dos anos me
Encontra, e encontrar-me-á, sem temor.
Não importa a estreiteza do portão,
Quão cheio de castigos o pergaminho,
Sou o dono do meu destino:
Sou o capitão da minha alma.

“Invictus”, de William Henley

Todas as vidas são importantes, e nenhuma vida é mais importante do que qualquer outra. Todos temos um destino a cumprir, caminhos a escolher, pessoas para amar, odiar, e principalmente perdoar.

É maior o sofrimento do homem que se debate na melancolia da depressão ou daquele ferido na batalha que luta por seu líder, por sua pátria ou por suas crenças? É mais profunda a tristeza da mãe que perde um filho ou da mulher que se encontra na mais absoluta solidão?

São pertinentes estes questões para quem vive numa época em que o volume de amigos do Orkut, do Facebook ou quantidade de seguidores do Twitter tornou-se mais importante do que sentar no muro da esquina com a turma do bairro numa tarde ensolarada de sábado. Eu não sei o que é mais importante para outras pessoas, tantas e tão diferentes de mim. Sei apenas que, para o jovem que fui, estar sentado naquele muro rindo à toa, descobrindo o mundo e os relacionamentos, fazendo parte de algo maior do que meu círculo familiar, e muito menor do que o vasto universo que eu iria descobrir nos anos seguintes, foi das coisas mais espetaculares que me aconteceram.

Eu dormi na rua, juntei comida do lixo. Tomei os melhores vinhos, tive lindas e inúmeras mulheres. Acordei numa maca de hospital depois de um acidente de carro, fui massacrado por 11 garotos que me confundiram com meu irmão. Fui entrevistado nos programas de maior audiência da TV, senadores e deputados me receberam. Fui bêbado, drogado e fumante. Palestrei para milhares de pais e jovens através do Projeto Cara Limpa, campanha de prevenção ao uso de álcool e drogas que desenvolvi no início dos anos 90. Acordei com o coturno de um soldado militar cutucando minhas costas: o comércio precisava abrir e eu precisava recolher o papelão que me cobria, sair debaixo daquela marquise e ir para a chuva. Tive um pai e uma mãe que fizeram o seu melhor para me educar, mas tive uma vida que me educou melhor ainda: nunca me deixei subjugar, nunca virei refém de pessoas ou situações, e acima de tudo não virei refém de mim mesmo.

Estivesse eu onde estivesse, procurava nunca me esquecer de quem eu era. Nos piores momentos da vida, lembrava da voz de meu pai, quando dizia-me que não havia cama para mim naqueles lugares. Aprendi a respeitar as diferenças, os pontos de vista diversos do meu. Aprendi que uma longa caminhada começa com o primeiro passo, e é feita de um passo a cada vez. Aprendi que não sou melhor do que ninguém, mas também aprendi a conhecer e respeitar meus limites, pois assim amanhã poderei tentar ser um homem melhor daquele que fui neste dia.

Hoje o portão é largo, os dias são agradáveis, vividos sob um sol suave e um céu de baunilha, ao lado da minha amada Laura e de toda nossa família.

Às vezes sento em algum lugar, meu olhar se perde no infinito e eu relembro meu passado. Não são raras às vezes em que sou puxado destes devaneios por um pequeno menino, que abraça minhas pernas e me chama de pai. Olho em volta e vejo a vida abençoada que tenho, sabedor de todos os caminhos que me trouxeram para cá.

Afinal, sou o dono do meu destino, o capitão de minha alma.

Caho Lopes
Julho de 2010

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