Arroz Petit Poá

Corria o ano de 1976. Eu tinha 12 anos, e começava a fazer uma série de descobertas sobre mim, sobre o mundo, sobre os outros e, claro, sobre as garotas. Meu pai tinha um almoço de negócios no restaurante do hotel Plaza São Rafael, e me convidou para ir junto. Coloquei minha roupa domingueira (afinal, era um restaurante chique e eu não podia deixar meu pai mal na frente de seu cliente), com a ajuda de um pote de Gumex penteei o cabelo repartido perto da orelha até que ele ficasse durinho e colado no couro cabeludo (o vinco das cerdas do pente quase podia ser visto no topo da minha cabeça), coloquei meu melhor par de guídis, uma calça boca de sino e uma camisa estampada estilo havaiana, parecida com as que o Tom Selleck usaria na série Magnum alguns anos depois. Sentei no banco do carona no Dodginho Polara e fui com o meu pai para desfrutar de uma aventura gastronômica.

Chegamos, sentamos, e esperamos um pouco até o cliente dele chegar. Quando entrou no salão e cumprimentou meu pai percebi que não tinha vindo sozinho: estava acompanhado de uma bela menina (vá lá, nem tão bela assim, mas naquela época e naquela idade em que os meninos estavam descobrindo o sexo oposto, a classificação variava entre linda, bonita, bonitinha e mais ou menos), que ele apresentou como sua filha. Dei-lhe o meu melhor olhar, sorri com o canto da boca e sentei. O almoço prometia!

Veio o garçom, trouxe os menus, e eu fiquei fazendo aquela cara de guri sério, compenetrado, tentando escolher um dos pratos do cardápio com o único objetivo de impressionar minha musa (sim, ela já era minha musa, afinal já havíamos passado quase cinco minutos a menos de três metros um do outro e trocáramos dois ou três olhares). Quando o garçom inclinou-se para mim, bloco de pedidos numa mão e caneta na outra, dei uma última olhada no cardápio, fechei e o entreguei, dizendo:

– Arroz Petit Poá, por favor.

Coloquei a mão no queixo e dei uma olhada para a menina, dizendo em silêncio “Veja como eu sou sofisticado, beibi, sou realmente o tipo de cara que teu pai quer para chamar de genro”. Quase dei uma piscadinha, mas o pai dela era bem grande, e cada mão parecia uma raquete de tênis. Achei preventivo evitar um tapa na orelha, e afinal de contas agora ele já sabia que não estava lidando com qualquer garoto, eu era um cara que comia arroz petit poá no restaurante do Plaza São Rafael durante o almoço, maibói.

Ficamos ali alguns minutos, eu bebericando minha Coca-Cola e imaginando que este arroz petit poá deveria ser um troço muito sofisticado, com nome francês e tudo o mais. Imaginei aves exóticas bem assadas, rodeadas de um arroz temperado com as mais finas especiarias (é, eu estava na sexta série e sabia que este negócio de especiarias era quente, os caras deram a volta no mundo para trazê-las das Índias e tal), talvez uns legumes exóticos decorando tudo… Enfim, grandes expectativas, sorrisos discretos, e um olho na mão do cara em busca de movimentos suspeitos em direção a minha orelha.

Até que o garçom chegou e começou a colocar os pratos um a um na frente das pessoas. Deixou-me por último, e quando ele levantou o domo de aço inox que cobria o meu prato eu finalmente me deparei… com um prato de arroz com ervilhas! Ervilhas! Arroz e ervilhas! Nada além de arroz com ervilhas!

Não sei se consegui disfarçar minha frustração, mas a vontade que eu tinha era de sumir dali. Pior: comi e ainda fiquei com fome, porque era um quase nada de arroz misturado num quase nada de ervilhas.

Nunca mais vi a menina, nem o pai dela. E ela nem era tão bonita assim, afinal de contas.

Naquele dia a vida começou a me ensinar uma lição que eu ainda iria levar algumas décadas para aprender: ter humildade para admitir o que eu não sei, e perguntar sempre que tiver dúvidas.

E, se ninguém sabe tudo, pelo menos todo mundo sabe alguma coisa.

Aquele garçom certamente sabia o que era um arroz petit poá, mas aquele menino metido ainda tinha um longo aprendizado a percorrer.

Caho Lopes
Fevereiro de 2010

 

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