O Buraco, o Menino, e o Che

Há alguns meses atrás, assisti a uma reportagem que me causou profunda impressão. Era uma matéria de um telejornal local sobre meninos e meninas de rua. O assunto e a simples visão dos envolvidos causa dor no mais empedernido dos corações. Mas o relato que eu escutei aquela noite foi simplesmente assombroso.

Um dos meninos entrevistados morava num buraco. Um buraco na calçada. Sujo e maltrapilho, repartia o pequeno esconderijo com ratos, baratas e outros pequenos seres repugnantes, tão pequenos como aquele menino que, com nariz correndo e os olhos mortiços, declarou ao repórter sua idade: nove anos. Nove pequenos, sofridos, largados e resignados anos.

Resignados sim. Resignados porque, a certa altura da entrevista, ao falar sobre o consumo diário de drogas e álcool que o fazia ainda menor e mais frágil (e estranhamente mais repudiado e temido), o pequeno menino disse que não tinha medo de morrer. “Porquê não? “ – perguntou-lhe o repórter. “Porquê se eu morrer nasce outro, ou igual, ou pior, ou melhor do que eu. Mas nasce outro, e assim é a vida, moço…”

Não pude conter as lágrimas ao escutar aquela criança jogando sua tragédia sobre o meu mundo seguro e protegido. Não o fez com raiva, não o fez com ressentimento, não o fez sequer com esperança. Largou ali no meio da minha sala, como alguém que deixa o casaco pendurado na cadeira. Não pediu nada, e enquanto a câmera abria para enquadrar o repórter que também chorava, o menino deu de ombros, e a imagem foi escurecendo até que não ficasse mais nada a não ser a sensação de impotência de se viver em um mundo tão cruel e desigual.

Alguns dias depois, o menino morreu. Morreu rápido, rápido como viveu.

Eu lembrei hoje desta história ao ver o Presidente do Brasil na televisão. Ao ler sobre o afastamento de Renan Calheiros da presidência do Senado no jornal. Ao escutar no rádio sobre a fraude contra o INSS e o Banco do Brasil, que envolvia um monte de gente que deveria estar trabalhando para o povo desta nação. E entre os prefeitos, deputados, vereadores, policiais, juízes, agentes penitenciários, sei lá, são tantos – existe tanta coisa mal explicada, tanta sem-vergonhice, tanta sem cerimônia, tanta falta de caráter que, ao pensar nisto e lembrar-me do menino, só reforço minha crença de faltam homens como Che Guevara em nossos dias.

Quero ter a esperança de que, se existissem estes homens, 40 anos depois que morressem poderiam até contar histórias sobre os excessos e crueldades que cometeram. Mas tristezas como o destino deste menino ficariam no passado de um país onde o bem é público, mas o público é formado por poucos.

Muito poucos.

Caho Lopes
Outubro de 2007

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