Eu já fui

Eu já fui arrogante e presunçoso. Sempre sem tempo e sem paciência, não escutava o que as pessoas tinham para me dizer, pois o prazo de duração dos meus relacionamentos era muito curto, e eu tinha muitas outras coisas para fazer. Tampouco tinha paciência para brincar com as crianças: aquelas brincadeiras sempre tão bobas, tão inúteis; alguém importante como eu tinha sempre coisas mais sérias para se ocupar…

Eu já fui desleixado com meus amores. Era tudo tão rápido e simples que muitas vezes eu não tinha tempo sequer de perguntar seu nome. O importante era que ela tinha sido agraciada com a minha pessoa, e isto talvez fosse o grande resumo de sua vida, porque era simplesmente o máximo que alguém como ela poderia almejar.

Eu já fui descuidado com meus estudos. Acreditava que alguém com a minha inteligência seria facilmente reconhecido em qualquer área do conhecimento humano a qual eu resolvesse me dedicar, e certamente seria regiamente pago para isto.

Eu já odiei meus pais. Não aquele ódio devastador que vem depois de uma briga, mas que não resiste a uma boa noite de sono, a um afago e um abraço bem dado. Odiei durante anos com a chama da autodestruição, com a certeza de que, fazendo isto, exterminaria um pouco deles também.

Eu já fui um amigo raso, daqueles que gargalham de uma piada e sentam-se na mesa do bar para tomar umas e outras, mas que não tem paciência para escutar um desabafo ou para estender a mão para aqueles que a vida derrubou.

Eu já fui tudo isto, e depois, durante muito tempo, não fui nada.

O anjo vingador chamado destino me deixou sentado num cordão de calçada, com um copo de cachaça em uma mão e um cigarro na outra, me perguntando onde é que eu tinha errado.

E foi depois de muitas agruras e tristezas que eu aprendi a transformar tudo isto em lições. E percebi que, destruído, eu tinha a oportunidade de reconstruir um novo homem com os cacos da minha ruína.

Então aqui estou, disposto a não repetir velhos erros, mas principalmente preparado para reconhecer os novos que irão surgir.

E é assim que vou vivendo, e deixando viver.

Caho Lopes
Maio de 2007

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