O Jardim da Minha Alma

Em um mundo onde as coisas acontecem na velocidade da luz, onde a imagem tem tantos poderes quanto um superherói, onde a informação é acessível e banal a tal ponto que deve ser selecionada para evitar overdose, em um mundo enfim que privilegia o ter ao ser, neste mundo as pessoas cuidam cada vez menos de seu interior e perguntam-se cada vez menos o que podem fazer hoje para tornarem-se seres melhores do que ontem.

Olhe a sua volta. Estão todos tão frenéticos, tão obcecados com produtos prontos para consumir que esqueceram-se até mesmo de sonhar. Não aqueles sonhos pré prontos, que vem sobre uma pequena bandeja de isopor embalados em filme de PVC nas mais diversas formas: a televisão maior, o celular menor, o carro da família, o jogo do time de futebol, passar no vestibular, concluir a faculdade, o tênis com 412 amortecedores mais suspensão a ar e faróis auto limpantes, e por aí afora. Estou falando daqueles sonhos verdadeiros, muitos dos quais tínhamos apenas quando éramos crianças, quando o olhar que espichávamos sobre o mundo era cheio de segredos, perguntas e magia. Eu tinha sonhos que ainda hoje persigo, sob pena de tornar-me mais um adulto chato e rancoroso. E o melhor de todos eles é atingir a minha paz de espírito. Sim, pois eu, quando criança, adorava entrar sorrateiramente na casa nova que estávamos construindo no mesmo terreno onde morávamos, sentar no sofá e passar as próximas horas lendo tranquilamente, sem nada nem ninguém que pudesse tirar a minha mente infantil do fantástico mundo da imaginação. Por muito tempo, ao examinar estes momentos, acreditei que fosse o prazer da leitura. Era muito mais, era o prazer de saciar a alma de um menino, era a paz de espírito que chegava depois das tardes repletas de aventuras e emoções.

Continuo buscando esta paz ainda hoje. Como a maioria das pessoas, acreditei durante muito tempo que acumular bens materiais poderia me trazer felicidade. Mas esqueci de cuidar do jardim da minha alma, e aquele menino que passava as tardes lendo escondido acabou se perdendo no caleidoscópio desta sociedade de consumo.

Agora que ele voltou, estamos vivendo grandes aventuras juntos.

A noite, fecho meus olhos, feliz, e durmo. Em paz.

Caho Lopes
Novembro de 2004

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