Anjos de Estacionamento

Certa vez, minha irmã, que é uma pessoa muito mística e entendida destas coisas ocultas que fogem a compreensão de simples mortais como eu, disse-me que sempre que necessário, recorria aos anjos do estacionamento. É mais ou menos assim: quando você está procurando uma vaga para estacionar seu carro e não encontra, basta fazer um pedido para os anjos do estacionamento, e então uma vaga será imediatamente providenciada para que seu carro seja estacionado e você possa tranquilamente fazer suas compras, ir trabalhar, ou seja lá o que for.

Fiquei desequilibrado com esta afirmação. Primeiro, porque se os anjos do estacionamento abrem uma vaga para que você estacione seu carro, alguém tem que ceder esta vaga. Como será que é feito isto? Já pensou, você calmamente fazendo suas compras no shopping e, de repente, bate uma vontade danada de voltar pro seu carro e ir embora dali? Anjos do estacionamento agindo, atendendo ao pedido de alguém que está zanzando de um lado para outro atrás de uma vaga. No caso, da sua vaga. Segundo, porque se isto for realmente desta maneira, o sentido da minha vida ficou desfocado. Afinal de contas, se existem anjos do estacionamento, devem existir anjos de relacionamento, anjos das vagas para emprego, anjos da fome, e até mesmo anjos do Windows, para quando seu computador trava e você não sabe o que fazer. As conquistas da minha vida ficariam restritas ao meu poder de comunicação com esta legião de anjos que, supostamente, habitam o nosso dia a dia.

Para mim, francamente, não serve.

Passei muito tempo convencendo a mim mesmo que a minha vida é resultado das opções que fiz, para o bem e para o mal. Passei outro tanto trabalhando o triste defeito de transferir para os outros (ou para Deus, quando não tinha ninguém mais a mão) a responsabilidade por minhas mazelas e meus defeitos. E, finalmente, estou quase conseguindo me convencer de que não sou melhor do que ninguém, e que a história da humanidade não atingiu seu apogeu em 18 de março de 1964, dia do meu nascimento.

Por isto, agradeço a todos os anjos por sua disponibilidade e pelas eventuais ajudas com que, fortuitamente, me socorrem mesmo sem que eu peça. Mas não posso renegar um dos presentes mais divinos que recebi: a responsabilidade por minhas conquistas.

E sobre o problema do Windows eu vou reclamar mais uma vez para a Microsoft.

Caho Lopes
Maio de 2004

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